domingo, 21 de dezembro de 2008

Direto do cockpit

Antes de mais nada, inauguro a sessão ‘Direto do cockpit’, espelhada na ‘Direto do paddock’, onde relato minhas aventuras e peripécias ao volante em corridas de kart. O texto abaixo remete à II Copa Saúde 4 Horas de Kart Cidade de Londrina, realizada no último final de semana. Lá vai:

A vida é imprevisível. Aprendi isso no domingo passado (14).

Tudo passou tão rápido. Parece que era ontem que a gente falava, um para o outro, ‘nossa, preciso me preparar! Faltam só três semanas para a corrida!’.

Corrida (amadora) esta, que seria a primeira do pequeno e modesto currículo do colunista: a II Copa Saúde 4 Horas de Kart Cidade de Londrina. Foram utilizados karts com motores 13hp sorteados por um único preparador, no caso, o Marquinhos. O chassis escolhido ficava a critério de cada equipe, que poderia contar com dois, três, ou até quatro pilotos. Cada um dos participantes deveria percorrer, na prova, um mínimo de 60 voltas, e, junto ao kart, pesar 180 kg ou mais. Em suma, o regulamento era este.

A minha equipe (denominada carinhosamente de 'Os Persistentes'), formada por três ‘novatos’ - o Lucas do Valle, meu tio, Carlos José da Costa Branco, e eu - e um cara mais experiente - o Flávio Merenciano -, tinha boas pretensões na corrida. Não exigíamos de cada um que buscasse a vitória, mas estar entre os dez primeiros (de dezoito karts) era uma meta bastante alcançável. Tudo ocorria dentro da normalidade. Durante a semana, fui treinar em quase todos os dias, para me adaptar ao chassis, e providenciamos o que deveria ser providenciado.

Surge o primeiro imprevisto: pude experimentar o kart com as desagradáveis pedras de chumbo e seus pesados 27 quilos apenas na sexta-feira (sem elas, eu não atingiria os 180 kg). Não digo que foi uma maravilha, mas não era tão ruim como eu pensava. Os tempos estavam um pouco altos, mas foi questão de tempo para que eu conseguisse melhorá-los.

Das diversas coisas que pensei na sexta à noite, quando eu deveria estar dormindo, algo que eu não conseguia fazer, era que eu tinha a sensação de que fizemos algumas coisas de última hora. A ausência de um preparador que pudesse atender exclusivamente às nossas necessidades também passou pelas minhas filosofias. Porém já era tarde. O que já foi fica na lembrança. Eu tinha de pensar no amanhã. E no depois de amanhã. Só. Confesso que eu estava concentrado, ao ponto de não conseguir me relaxar nas horas de folga. Mas, apesar de tudo, eu estava otimista.

E chegou o primeiro dos dois tão esperados dias. Sábado, sol forte. Daqueles que fazem você reclamar do calor até o anoitecer. Fui o primeiro da equipe a chegar no Kartódromo. Deveria ser umas dez horas. Do celular, o Flávio me instrui que não iríamos para a pista naquele período. Era preciso acertar o kart. Ele ainda não estava na mão. E poupar pneus também seria uma escolha interessante.

Algumas horas se passaram, solucionamos parte do problema, e já era hora de abastecer nossos exigentes estômagos. Antes do almoço, onde eu literalmente engoli a comida, de tanta pressa, ainda tive de comprar uma sapatilha, requinte este do qual eu não usufruía. Eu era um dos poucos pilotos que corria de chuteira. Na raça. E o Zé Barone me alertou quanto a isto. Se os caras da Federação me pegassem sem as aveludadas sapatilhas, ia sobrar pra mim.

Hora de voltar pro Luigi Borghesi Resort and Hospitality Kart World Center. Chegamos um pouco atrasados, eu, meu pai e meu tio. O Flávio estava na pista. Fui informado de que ele o Lucas já haviam arrumado o kart, deixando-o menos dianteiro. Dali a algum tempo, seria a minha hora de acelerar. Estava, eu, meio quieto, sem falar muita coisa. O pessoal percebeu isso. Bateu o frio na barriga.

Ali eu percebi que a pior parte, em ocasiões relevantes como esta, é os poucos minutos que antecedem à ida pra pista. Eu me sentia um pouco nervoso, tenso. Mas quando desviei dos pneus e dos cones e subi em direção a segunda reta do traçado, fiquei mais tranqüilo. Andei o ano inteiro naquela pista, não era nenhuma novidade para mim. Os tempos foram razoáveis até. Boas notícias.

Ainda deu tempo de ensaiar a entrada no box (em toda a oportunidade que algum piloto retornasse ao local, durante a corrida, teria de passar por uma balança de pesagem, e isso envolve todo um processo de desligar o motor em tal ponto, frear antes da linha branca, etc) e, para minha surpresa, participar da gravação de um vídeo. Treino encerrado, já estava guardando meu macacão, quando o Julião LG me convida: “Tem um cara que tem uma câmera no kart, e ele queria gravar uma disputa entre dois pilotos. Tem que ser meio ensaiado. Não acelera muito. Só liberaram por duas voltas.”. Foi tudo tão corrido que eu não sei se deu muito certo. Depois eu tento ver como ficou.

Antes de partir, tínhamos de resolver alguns pequenos empecilhos, como encaixar melhor meu banco (eu era o único que tinha um banco próprio, devido à minha estatura), inserir as pedras de chumbo de maneira adequada, confirmar a estratégia e coisas do tipo.

O fim do dia estava próximo. O lar nos chamava. Dormi.

Acordei.

Mal podia eu imaginar que aquele momento, um dos mais aguardados dos meus treze anos de vida, estava muito próximo de acontecer. Foram tantas as alegrias, as decepções, as vezes em que eu fiquei puto e as vezes em que eu rascunhava na minha cabeça como seriam as minhas corridas.

Enfim, não era hora de lero-lero. Se tinha alguma coisa que eu realmente estava naquele dia era focado, palavra esta, aliás, que está na moda. Chegamos cedo ao Kartódromo, afinal, tinha de ser feito o warm-up, o briefing, a tomada de tempo, o almoço e a digestão, tudo isso, antes das 13h30, quando começaria a corrida.

Nem vi o resultado do warm-up, só sei que o único encarregado de botar o #46 na pista foi o Flávio. A organização ainda fez o favor de cortar meia-hora de treino para fazer o briefing, algo que deveria ter sido agendado e comunicado com antecedência. Bom, deixa pra lá.

Na reunião dos pilotos com os ‘homi’, instruções, discussões (no bom sentido) e uma pequena dose de polêmica. Acabou que a largada foi alterada, de estilo ‘Le Mans’ para lançada. De resto, nada de muito importante a ser registrado.

Estava no regulamento: o piloto da equipe que fizesse a tomada classificatória teria, também, de largar. A nossa opção por colocar o Flávio pra começar era uma faca de dois gumes: por ser o mais pesado dos quatro pilotos, o tempo provavelmente não viria. Em compensação, sua experiência seria de extrema importância para que acidentes ou outro tipo de entrevero fossem evitados.

E a nossa perspectiva foi confirmada: 14º tempo. Sem problemas.

De almoço, apostei em um estupendo salgado de frango que frustrou minhas expectativas. Mas o importante mesmo era me hidratar com muita água. E isso eu fiz bem, vide a conta que meu pai teve de acertar no bar.

O ponteiro dos relógios brasilianos não falhava: já era ‘uma e meia da tarde’. Largaram. Nenhum acidente foi registrado. Mantivemos a nossa posição de partida: 14º.

Estava tudo sob controle. Oscilamos um pouco, mas era mais ou menos entre a 12ª, 13ª posição que, após sessenta e poucas voltas, o equipamento foi entregue para o próximo herói de nossa missão: meu tio. Quanto aos líderes e a outras posições específicas, reconheço que minha falha memória não quer se recordar.

Vale ressaltar que cada equipe teria de cumprir, obrigatoriamente, um pit stop de quinze minutos ou dois de sete minutos e meio. No nosso caso, escolhemos a segunda opção - e ainda teríamos de fazer uma entrada extra para que todos os quatro pilotos pudessem andar. A parada mais rápida foi logo a primeira. Acho que não houve nada de errado.

Sobre o meu tio, uma observação: ele havia andado muito pouco durante os preparativos para a corrida, e ele mesmo desconfiava que não agüentaria sessenta voltas seguidas. Mas ele, brava e heroicamente, conseguiu.

Após alguma pequena dificuldade para sinalizar ao piloto que ele deveria entrar no pit, fizemos nossa primeira parada obrigatória de sete minutos e meio. E o Lucas, na minha opinião quem mais poderia colaborar com a equipe, foi o próximo encarregado de comandar #46.

E ele mandou bem, estávamos subindo na classificação. Senão me falha a memória, nosso kart já ocupava a 10ª colocação (chegamos a andar em 4º ou 5º quando alguns karts estavam nos boxes), quando eis que um fato, com o perdão do clichê, lamentável, aconteceu por aquelas bandas.

Tudo começou quando o #89, pilotado por três senhores (se é que se pode dar a eles esse tipo de tratamento) que não me convém citar o nome agora, foi desclassifcado por atitude antidesportiva.

Coisa de macaco velho, de quem é ruim de braço e precisa pancar todo mundo pra tentar alguma coisa. Inclusive o meu tio foi atingido por trás por um desses cidadãos numa manobra que poderia ser facilmente evitada.

Mas aí o piloto entrou no box e, sem titubear, resolveu voltar pra pista, quando já havia tomado bandeira preta e deveria mesmo era sossegar o rabo. Nisso, já com aquele clima de tensão nos boxes, foi dada a bandeira vermelha, para que ele pudesse se retirar.

Após descer do kart, o sujeito e a sua equipe saíram peitando todo mundo, desde o cidadão que alugou o kart para eles até uma amiga dos pilotos. Enfim. Aí a confusão já tinha se generalizado.

A polícia militar, após alguma alma caridosa ter recorrido aos seus serviços, não tardou a chegar e pôs ordem na casa. Era mais do que necessário, já que ficou evidente que os seguranças não tinham punho para apartar a briga.

Um dos pilotos do kart #89, o mais velho, já que o outro era menor de idade, foi para a delegacia. Acompanhado de quem? Do Flávio e do meu tio! Não podiam levar alguém de outra equipe, não?

No meio disso tudo, a corrida já havia sido parada, e os pilotos que estavam na pista deveriam estar mais perdidos que cachorro em dia de mudança. Fui até lá para contar ao Lucas o que aconteceu. Deveríamos repensar a estratégia, dependendo do que fosse acontecer pelo restante da prova.

Briga encerrada, surge mais uma péssima notícia: um piloto, o Mamão, que havia deixado seu kart ainda na pista, foi atropelado por um concorrente e fraturara a perna. Que dia.

Dali em diante até a decisão do que seria do restante da corrida foi mais um parto, algo em torno de uma hora. Chegou-se a confirmar que a prova seria encerrada ali, já que muita gente fez as suas paradas durante bandeira vermelha e algumas equipes seriam beneficiadas. Mas acabou que um grupo de pilotos anunciou, após uma breve reunião, que a corrida teria, sim, prosseguimento. Porém, em vez de 20 minutos (o que sobrou das quatro horas, contando com o período em bandeira vermelha), o público teria a chance de ver mais uma hora de disputa.

Tendo que cumprir ainda mais uma parada obrigatória e com dois pilotos na delegacia (!), o que seria da nossa equipe? Eu estava apreensivo, mas o Lucas me tranqüilizou. Combinamos então que ele andaria em torno de quinze a vinte minutos até entrar, e seria a minha vez.

Pode ter sido apenas um estalo, mas eu tive a sensação de estar mais forte, mais confiante. Parece que eu cresço nessas ocasiões. Não é a primeira vez que eu percebo isso.

Para nossa felicidade, meu tio e o Flavio chegaram são e salvos da delegacia, a tempo de nos ajudar na parada. Precisaríamos encher o tanque e pôr o lastro. Em relação aos pneus, resolvemos não trocá-los.

Mas para nossa, e mais precisamente, minha infelicidade, o Lucas retornou aos boxes duas voltas antes do previsto. E já sinalizava, com os braços, que acabou. Eu não acreditava. Disse ele que o freio já não era mais existente, pois ele quase se acidentou com outro piloto, tendo que passar reto numa curva.

O que fazer? Depois de uma precisa e breve discussão, ficou decidido: iríamos tentar arrumar o #46, que também tinha a sua direção bastante avariada. A corrida, que ficara bastante promissora, foi pro saco. Perdemos no mínimo uns quinze minutos nos boxes, consertando o kart, com a única finalidade de me pôr na pista. Naquela hora, a satisfação de apenas participar foi maior que a de ganhar, afinal, se a corrida mesmo acabasse ali, eu encerraria minha participação nas 4 Horas sem sequer sentar no kart. E é aí que eu quero agradecer a todos que botaram a mão na massa e colaboraram com este feito: meu pai, meu tio, o Flávio, o Gabriel, o Lucas, o Newton e o Fábio. Me alertaram por diversas vezes que era para eu tomar cuidado, que se o freio não estivesse funcionando, era pra retornar pros boxes, etc e tal.

Faltava menos de meia hora para o término da prova. Sentei no kart. Meu pai o empurrou, até a linha onde o motor tem de ser ligado. Tudo pronto. Meu pai dá o já tradicional tapinha no capacete e eu acelero. Chegou a minha hora. Como tinha dito o Fábio, eu teria de correr para curtir, porque resultado, naquela hora, não era a meta principal.

Os freios estavam ok, mas a direção me traía nas freadas. Além de sair de frente, por conta do desgaste dos pneus, o volante não estava firme. Em curvas de baixa, quando eu metia o pé no freio, ele tremia muito. Enfim, fui ultrapassado por quatro karts, todos eles, claro, dando uma volta no mané aqui.

Mas aí a minha corrida acabou de maneira prematura. Minha participação nas 4 Horas se encerrou em cerca de 15 minutos.

Ao me ultrapassar, o Franchello, que liderava a prova, encontrou pela frente um kart que aparentava estar bastante lento. Eu estava logo atrás dos dois, quando, na curva do U, este outro kart freiou muito antes, colidindo-se com o Franchello. Este acabou rodando, e aí sobrou pra mim.

Enchi em cheio a carenagem do Franchello, já que eu ainda estava em plena aceleração. Na hora já dava pra perceber que as esperanças morreram por ali. Tentei ao menos levar a criança até aos boxes, mas, ao descer lentamente o Bacião, a roda quebrou e foi parar embaixo da minha perna. Encostei no canto da pista. Só me restou lamentar.

Graças a Deus entenderam que a culpa no acidente não foi minha, fui uma vítima. Eu não queria ficar com o peso de ter batido logo na primeira corrida. Inclusive, ao chegar da pista, meu tio disse que eu estava andando bem (embora ele tenha sido um pouco generoso nos elogios) e me parabenizou pela estréia. Fiquei feliz.

Enfim. Quanto a corrida, quem acabou vencendo foi a equipe Nipo Racing Team, formada pela dupla Luizinho-Aldo, que foi crescendo ao longo da prova. Mais que merecido, consolidando a hegemonia oriental no nosso glorioso Kartódromo de Londrina.

Após o encerramento da corrida, principalmente via e-mail, vários pilotos contestaram o resultado da prova, alegando que algumas equipes se beneficiaram por não terem cumprido as paradas obrigatórias. A polêmica não teria acontecido se a Federação Paranaense de Automobilismo, supervisora da prova, tivesse feito um trabalho competente na corrida. Eu duvido que a maioria dos comissários sequer leu o regulamento, já que eles não conseguiram sanar algumas dúvidas minhas. Além disso, ouvi por aí que a direção de prova não tinha o controle de quem fez e quem não fez os pit stops obrigatórios. Providências, por parte da FPrA, têm de ser tomadas. O pior dos cegos é aquele que finge não ver.

Em tempo (1): até onde eu fui informado, um dos sujeitos do #89, o mais velho, poderá ser proibido de pisar em qualquer Kartódromo ou Autódromo do país.

Em tempo (2): Mamão, após passar por cirurgia, já está em fase de recuperação.

Agora, apesar de tudo, valeu a pena. Achei um tesão participar de uma corrida oficial, não só pelo prazer de pilotar, mas também por todo aquele clima que nos cerca às vésperas da prova.

Vou fazer isso mais vezes.

Outras informações sobre a II Copa Saúde 4 Horas de Kart Cidade de Londrina podem ser encontradas nos seguintes sites:

www.folhadelondrina.com.br
www.gravidadezero.com.br
www.kartlondrina.com.br

2 comentários:

Anônimo disse...

parabéns pelo relato!!!

mas corrida com 4 horas e ainda se perderam nos PITs obrigatórios ???
fala sério(que cronometragem???)
isso é amadorismo !!!
Maurobala

André Casaroli disse...

Pois é, e já disseram pra eu me acostumar com as pitorescas falhas da Federação Paranaense de Automobilismo...